É um conto relativamente grande. Mas acho que seria interessante que todos que passassem por aqui lê-se ele.
Pedro morava num sitio perto de uma pequena cidade no interior do nordeste, há muito esquecida por Deus e pelos homens. Moravam numa casa de barro com fogão a lenha e cheia de lampiões, já que lá ainda não havia chegado luz elétrica. Já fazia anos que não chovia. Tanto tempo que ninguém sabia mais o que era chuva por lá. Pedro que já era quase um rapaz e nunca tinha visto um pingo de água se quer caindo do céu, só aquele sol escaldante de cada dia. Mas sempre ouvia histórias de seus pais falando do bons e velhos tempos da boa safra. Das chuvas abundantes. Quando a água e a comida eram fartas. E ficava maravilhado com elas e sonhava com o dia em que veria esse tempo. Hoje em dia, a colheita sobrevive graças a pequena irrigação que funciona através de carros pipa que aparecem esporadicamente por aquele fim de mundo. Que também são usados para matar a sede e para a higiene básica daquela pequena população que ali vive.
O sol nascia mais um vez. Pedro tinha 14 anos e estava se preparando para ir a escola. Tinha acordado pouco antes da aurora. Pedro tinha que acordar cedo, porque a escola ficava na cidade a 6 km de onde ele morava. E tinham que ser percorridos a pé, porque Pedro não tinha nenhum meio de locomoção a não ser uma carroça, que era usada pelo seu pai para levar e trazer mantimentos e a pequena colheita de cana-de-açucar em que trabalhava. E por consequência não podia ser usada para levá-lo a escola. E sua mãe fazia trabalho artesanal com as folhas que restavam da cana.
Estava fazendo a oitava série do primeiro grau. E apesar da pobreza que rondava seu pequeno mundo, ele era um aluno aplicado e sonhador. Sempre tirava notas boas e queria ser médico quando cresce-se. Os pais davam a maior força, apesar de terem quase certeza de que ele não passaria de mais um cortador de cana. A tarde, depois da escola, Pedro ajudava seu pai na colheita. E a noite estudava. Não tinha muito o que se fazer no sitio. Nas horas livres, ele geralmente passava o dia brincando com seus irmãos, com carrinhos que eles mesmo fabricavam. E a cada ano que passava Pedro ansiava pela chuva como nenhuma outra coisa em sua vida.
Pedro tinha dois irmãos e uma irmã. Quinho e Thiago, tinham respectivamente 8 e 6 anos e só estudavam. Eram muito novos para trabalharem na roça. E Mariana, a mais velha que tinha 20 anos, foi tentar a sorte no sudeste do país. Arrumou um emprego como empregada doméstica e nunca mais voltou. Ela não tinha a vida dos sonhos, mas com certeza era muito melhor do que viver naquela pequena cidade. Uma vez por semana ela mandava uma carta pra falar sobre as novidades. Seu Zé e Dona Maria nunca gostaram muito da idéia de Mariana ter ido pro sudeste. Eles acreditavam que manter a familia unida era essencial. Mas depois de ver que os tempos mudaram e que a única maneira de ter uma vida digna era sair daquela cidade, acabaram ajudando ela a comprar a passagem depois de juntarem dinheiro por vários meses. Eles estavam felizes porque ela estava feliz, apesar de não levar a vida que queria.
O sol nascia mais uma vez. Pedro estava com 34 anos. Tinha 19 quando se casou com Tatiana, uma menina que morava num sitio ao lado do seu. Dois anos antes do casório, Pedro assumiria o trabalho do seu pai na roça, que se aposentava por causa da artrite que tinha piorado consideravelmente e agora ajudava a mulher com o trabalho artesanal. Pedro acabou largando a escola no terceiro ano do ensino médio por causa disso. E seus sonhos, assim como sua esperança de ser gente na vida, tinham ido por água abaixo. Ou por terra abaixo, já que água mal se via naquelas terras. Já faziam quase 40 anos que não chovia. Pouco mais que a idade de Pedro que nunca tinha visto se quer um pingo de água cair do céu. Ninguém esperava mais que chuvesse naquelas terras. Mas Pedro sabia que antes de morrer ainda ia ver a chuva.
Quinho, irmão mais novo de Pedro, no mesmo ano que completou 17 foi pro sudeste tentar a sorte, assim como sua irmã Mariana. E acabou conseguindo. Logo quando chegou lá, começou a trabalhar de manhã e a tarde numa padaria como atendente de balcão e fazia cursinho a noite. O dono simpatizava muito com ele, já que eles vinham da mesma região e sempre o deixava com um tempo livre pra estudar mais. Por causa disso, acabou passando numa faculdade federal e começou a cursar história a noite. Continuou a trabalhar na padaria até se formar. Quando se formou conseguiu um bom emprego como professor. Anos mais tarde se tornaria um profissional de renome e nunca voltaria a pisar naquela pequena cidade. Mandava algumas cartas no começo para falar sobre as novidades. Uma por mês. As vezes demorando mais. Mas depois que começou a ficar muito ocupado com o trabalho de professor parou de mandar e nunca mais se comunicou com a familia. Simplesmente esqueceu aqueles que tanto o amavam e que tanto o ajudaram para conseguir o que ele conseguiu.
O futuro de Thiago foi totalmente diferente. Por causa da doença do pai, acabou ficando no sitio para ajudar Pedro na roça. Casou com 20 anos com uma menina de outra cidade. Mas ela acabou se mudando para o sitio dele para assim viver pro resto da vida. Thiago não era muito ganancioso e sonhandor como Pedro e por isso se conformou com a vida que levava. Depois de ter o segundo filho, dos 4 que teria, acabou se mudando pra uma casa ao lado da da sua mãe que ele mesmo construira com a ajuda de Pedro e de mais algumas pessoas dos sitios vizinhos.
O sol nascia mais uma vez. Assim como todos os dias na sua vida, Pedro estava acordado antes da aurora. Mas dessa vez não era mais pra ir ao colégio ou para ir para a roça. Tinha acordado com os berros do seu netinho que nascera a poucas semanas. Pedro estava com 67 anos e não conseguia mais trabalhar na roça. Estava com artrite assim como seu pai que acabou morrendo de malária quando Pedro tinha 45 anos. Agora vivia em casa ajudando as esposas de seus filhos a cuidar de seus netos, enquanto eles quatro - ele teve quatro filhos, todos homens - agora cuidavam da roça por ele. Nenhum tinha se aventurado pelo sudeste. Amavam demais o seu pai para sairem do seu lado. Apesar de um deles, o João, ter tido os mesmos sonhos que o pai em querer ser médico. Mas acabou ficando como ele, que também desistiu de seus sonhos para ajuda-lo.
Pedro também lecionava na escola pela manhã sem receber nada. Os tempos estavam dificeis e muitos professores tinham abandonado aquela pequena cidade, porque não estavam mais sendo pagos. E como Pedro era um dos poucos que ainda sabiam muita coisa, acabou se tornando professor. Sua mãe, Dona Maria, morreu de infarto poucos anos depois que seu marido deixou o mundo. Foram enterrados lado a lado no cemitério da familia que ficava ali mesmo no sitio deles. A chuva ainda não tinha aparecido por aquele lugar. Nem a luz elétrica. Mas Pedro nunca perdia as esperanças e sempre falava que a chuva um dia ia aparecer. Sempre falava pra todo mundo, mas ninguém nunca dava atenção.
O sol nascia mais uma vez. Pedro agora tinha 80 anos. Eram 7 horas da manhã e ele caminhava com um de seus netos pelas estradas de barro seco daquela região, quando sentiu um pingo de água cair em sua face. Ele olhou pro céu e viu que estava escuro, como nunca tinha visto em toda sua vida. Seu coração começou a bater mais forte. Não sabia porque, mas pressentia algo bom. De repente milhares de pingos começaram a molhar a ele e seu neto e aquela terra árida e seca. Só podia ser a chuva, ele pensou alegremente. E para sua felicidade realmente era.
A chuva finalmente tinha resolvido dar as caras naquele pedaço de mundo. Marquinho, o neto de Pedro ficou assustado com aquilo e tentou se esconder atrás do avô. Mas viu que não surtia efeito nenhum e já ia começar a correr pra casa quando foi segurado por Pedro que pediu para ele ter calma. Disse que era apenas água que Deus tinha mandado para eles. Era a chuva que ele tinha certeza que um dia ia aparecer antes de morrer. Parecia que Deus tinha voltado a se lembrar deles. Vai ver ele tinha perdido o mapa daquela região em algum baú que por alguma razão tinha ficado escondido em algum lugar, e agora tinha achado e ia recompensa-los por tudo. Por um momento teve toda sua fé renovada. Nunca tinha se sentido tão emocionado em toda sua vida. Nem quando teve seu primeiro filho. A água tinha voltado, então os bons tempos, o tempo que ele nunca tinha vivido e era louco para viver, o tempo da boa safra, provavelmente voltariam também. Pedro levantou os braços, e seu neto o imitou meio confuso. A água caia em abundância sem mostrar sinais de parar. Pedro começou a dar pulos de alegria e a comemorar e seu neto logo começou a fazer a mesma coisa, mesmo sem saber porque. Afinal. estava achando aquilo divertido.
Mas momentos depois a alegria se tornou em tristeza, porque Pedro começou a sentir uma dor no coração. Agora estava de joelhos no chão. E logo depois deitou naquele lamaçal sem fim. Estava chorando. Se era de alegria ou de tristeza só ele e Deus sabiam naquele momento. Mas na verdade não dava para notar seu choro, porque as lágrimas se misturavam com a água da chuva. As únicas palavras que ele conseguiu pronunciar foi para que Marquinho fosse chamar sua avó. Marquinho saiu correndo tomando o máximo de cuidado para não escorregar no barro molhado e 5 minutos depois estava lá na casa avisando a Dona Tatiana sobre o ocorrido. Mas foi tarde demais. Quando chegaram lá Pedro já estava morto. A chuva já tinha acabado há alguns minutos, logo depois que os filhos de Pedro e sua mãe sairam correndo de casa. Mas ela sempre retornaria com certa frequência.
Pedro logo depois de sentir a dor no coração saberia que não viveria o tempo que tanto sonhara. O tempo de felicidades, de esperanças, da fartura que aquele povo tinha esquecido há muito tempo, mas sabia que eles estavam prestes a se tornar realidade novamente. E já era o homem mais feliz do mundo por causa disso, porque sabia que seus netos viveriam esse tempo. E tudo graças a ele próprio. A Pedro. O homem que fez chover. Pelo menos era no que as pessoas daquela cidadezinha acreditavam. Estas que o apelidaram desta forma por ele nunca ter perdido as esperanças que a chuva voltasse a molhar aquelas terras agora não mais esquecidas por Deus. Que tinha dado sua vida para que isso acontecesse.
FIM
OBS: Cinco coisas que me inspiraram a escrever esse texto. Primeiro, o texto do Rodrigo "Jester", intitulado de "Meninas", encontrado em seu blog Silent Lucidity, Loud Insanity. Não sei explicar bem de que forma ele me inspirou, mas sei dizer que se não tivesse sido esse texto, "o homem que fez chover" dificilmente existiria. Segundo: O texo da da minha amiga Rayssa Medeiros sobre o filme Amarelo Manga, que pode ser encontrado em seu blog Távola Quadrada. Terceiro: Me baseei na temática de um livro paradidático que eu li faz muito tempo. Acho que devia fazer primeiro grau ainda. O nome se eu não me engane é "5 anos sem chover" e fala de uma familia do nordeste que foi tentar a vida no suldeste. Em quarto: me baseei no livro "As 5 pessoas que você encontra no céu", não na temática, mas na forma em que ele foi escrito, porque esse é livro espirita. E por fim pra dar título a esse texto me baseei no título do livro "O homem que fazia chover" de John Grisham. 3 livros e 2 textos muito bons na minha opinião e que com certeza devem ser lidos.
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6 comentários:
Oi Dandan!! Seu texto está muito bem escrito, digno de um livro de contos.
Você é ótimo, parabéns!!
E acredite na fé, ela move montanhas.
beijos.
Bah, pelo menos uma de suas fontes não é nada confiável, rs. Gostei demais do texto; acho que ser mais ousado ao escrever (em forma e em conteúdo) é o que rende sempre os melhores frutos. Arrisque mais, pq está dando certo. ;)
Esse ficou muito bom! muito bom mesmo... me lembrou um pouco 100 anos de solidão =D
Há muito tempo eu não lia uma coisa tão bonita como essa... Obrigada, Daniel! :)
Velho na boa! Muito obrigado mesmo por essa oportunidade de ler isso... Abraço!!!!
Vlw, galera :)
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